AYAKO de Osamu Tezuka e os podres do Japão pós-guerra

Por Fábio Melo*


O Japão derrotado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é o cenário de Ayako, obra do chamado "Deus do mangá" Osamu Tezuka. Embora eu não goste desses títulos absurdos ("Deus disso", "Pai daquilo", "O criador de tal coisa"), Tezuka é um artista versátil e influente, capaz de transitar entre vários gêneros - de mangás de super-heróis (como Astro Boy - Tetsuam Atom no original) até os dramas do gekiga. E é dentro deste gênero que Tezuka apresenta Ayako. 

O Gekiga é na verdade mais um movimento de artistas do que necessariamente um gênero dentro dos quadrinhos japoneses. Isso porque, no início dos anos 1960, autores de mangá começaram a buscar temas mais adultos para suas obras - um pouco como reflexo das grandes transformações que o Japão estava vivendo naquele momento. Por isso, o gekigá pode ser um drama, uma critica social ou até mesmo uma história de terror. E Ayako apresenta muitos elementos de drama, critica social e crimes. 

A história de Ayako gira em torno da família Tenge, remanescente da velha aristocracia rural japonesa. Diante de um Japão em rápida transformação, após a derrota na guerra e a intervenção estadunidense, os Tenge tentam manter seus domínios e sua representação de "família respeitosa" para sua comunidade. Ocorre que, para manter essa imagem, os membros da família Tenge se envolvem em traições, incestos, cárcere privado, movimentos trabalhistas, comunistas, mortes, ocultação de cadáver entre outras situações. E o centro dessa família completamente perturbada e disfuncional acaba sendo a pequena Ayako, que cresce ao longo do mangá em circunstâncias nada convencionais. 

Publicada originalmente entre 1972 e 1973, Ayako tem sua edição no Brasil pela editora Veneta; com um ótimo prefácio (ou posfácio, já que o mangá é lido "de trás para frente") de Rogério de Campos. 

Ayako é também uma leitura para entender o Japão do pós-guerra e como as raízes conservadoras daquela sociedade são capazes de levar famílias inteiras à ruína social e psicológica para manter seu status social. Não se deixe enganar pelo traço "fofo" e simples de Tezuka. Ayako é uma obra forte e pesada. E aí está mais uma das qualidades desde mangá: o contraste entre o traço limpo do desenho e a complexidade sombria da trama. 


Título: Ayako

Autor: Osamu Tezuka

Editora: Veneta

Ano: 2018


* Fábio Melo é Historiador. Membro fundador e permanente do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB: http://geaciprianobarata.blogspot.com/)







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